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Monga, e o monossílabo

Clotilde Tavares | 20 de janeiro de 2010

Fui criada no meio de eufemismos. Em casa, e na vizinhança.

Quando se ia mandar um dinheiro para alguém, o dinheiro se transformava em uma palavra misteriosa: a “encomenda”. Mamãe dizia: “Neusa recebeu a encomenda?”

Não se falava em tuberculose: era “a fina”, ou “a magra”. Fulano está com “a fina”. E câncer, nem pensar. Dizia-se “aquela doença”. “Fulano está com aquela doença”.

Não se dizia parir, ter menino, dar à luz: o termo era “descansar”. Menstruar era palavrão. Naquele tempo, as mulheres ficavam “incomodadas”; e quando uma das moças da vizinhança “se perdia” não era porque a criatura não encontrasse o caminho de casa: era porque havia perdido a virgindade.

Papai chegou ao ponto de inventar palavras de xingação, como “leqüera”, assim mesmo, com trema no “u”, para quando queríamos insultar uns aos outros; e inventou também a palavra “lunfa”, que queria dizer uma mulher de vida mais livre sem chegar realmente a ser prostituta.

É bem verdade que vez por outra, no calor das discussões, as muralhas da boa educação caíam por terra e saíam todos os deliciosos palavrões que hoje se diz com tanta frequência e tão abertamente. “Sua puta sem-vergonha, chifreira, eu sei que seu marido é corno, viu, sua rapariga?” Nós, crianças, ouvíamos entre assustados e deliciados as brigas, até que alguém notava e baixava o volume da voz.

Lembrei disso tudo vendo a TV, onde, depois do anúncio de um medicamento, aparece o letreiro: “Ao persistirem os sintomas, o médico deverá ser consultado”, frase complexa e pedante, que faz você pensar umas três vezes antes de entender direito o que ela quer dizer.

Isso me levou de volta no tempo, a uma placa que havia na porta do Restaurante Maré Mansa, em Macau-RN, famosíssimo pelo seu camarão divino. Hoje essa placa não existe mais – o camarão continua divino – mas na década de 1980 eu fiz uma foto dela – que obviamente nunca consigo achar quando preciso. A placa diz: “Se acompanhado, não se aproxime com mulher de vida livre”. É o cúmulo do arrodeio para dizer: “Proibido entrar com puta”.

Mas o exagero do eufemismo eu ouvi dizer numa história contada pelo poeta e contador de causos Jessier Quirino. Ele conta que estava num parque de diversões e foi entrando para ver Monga, a mulher Gorila. Naquela sala escura, lotada de gente de pé, ele entra com uma das mãos atrás, protegendo “o monossílabo”. Quem já entrou para ver Monga – eu já – sabe que é de suma importância fazer isso, porque há cem por cento de risco de se levar uma, como direi, “dedada” no “monossílabo”, é claro…

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Comportamento, Humor, Memória
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eufemismo, Jessier Quirino, Macau-RN, Maré Mansa, Monga
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7 Responses to “Monga, e o monossílabo”

  1. Umas & Outras » Eu adoro papel! disse:
    21 de setembro de 2010 às 23:45

    […] O site Efetividade.net sempre está lançando novos desafios aos adeptos da organização e produtividade pessoal. Eu sou uma dessas pessoas e atendendo ao convite do site estou postando aqui como faço para organizar minhas anotações e meu material de referência. O post é longo. Se achar chato vá ler uma coisinha mais amena aqui, ou aqui. […]

  2. Edgard Dantas disse:
    25 de janeiro de 2010 às 18:29

    Amiga –

    Entrei no siberespeice e descobrí que Monga existiu e que foi vilmente explorada por seu descobridor/empresário, que comia ela e até casou,
    inclusive explorou o corpo mumificado por muito tempo.

    Isso é que é um cabra ruim!!!

    Duas vezes assistí seu espetáculo –

    A primeira vez, na festa da Matriz na Praça André de Albuquerque, aonde Monga rivalizava com Capitão Tony, um galego alemão, fera das motocicletas no globo da Morte, e com Kid Lima, bicicletista natalense (que a mãe dele mandava estudar, que acabasse com essa coisa sem futuro de bicicleta) e que terminou virando atração internacional mundo a fora (oropa, frança e bahia).

    Esse Alex de Souza, que a mãe não deixava ver Monga lá nas Fulores (Flores,
    Florania), deve encontrar alguma razão para essa proibição

    Minha irmã Ana Maria, casada com Damatinha, filho de Dona Maria Damata e do velho João Damata, quando veio de Cruzeta morar em Natal, trouxe uma babá das meninas, do Céu, nascida na Serra do Cajueiro, que a rua maior que tinha visto foi a de Acary;

    Veio para Natal de noite, dormindo no carro, pois moça da Serra dorme cedo;

    Abestalhou-se com a rua de Natal, tanto que perdia de botar sentido nas meninas, pia dona Ana um carro que avoa, pia dona Ana que sopa mais maior,
    pia dona Ana que casona amulestada de grande, pia aquilo, pia aquilo outro…

    Do Céu era uma galeguinha bonita, doce e trabalhadora.

    Caí na besteira de levá-la com meus filhos e minhas sobrinhas para a festa da Matriz, e quando os meninos viram o locutor fazendo a tenebrosa apresentação de Monga ficou a estória de quem tem medo e não tem e, todos destemidos entraram para ver Monga.

    Quando ela começou a se transformar, meninos e meninas se agarraram nas minhas pernas e, quando o gorila arrebentou as grades aí é que o agarrado foi tão grande que eu nem podia me bolir.

    Aí o Gorila voltou a ser Monga, fui explicar que era um truque de espelho, que não era para ter medo, que o Gorila agora estava preso, que ele não pegava criança, que era um espetáculo que tinha todo dia, e por aí fui saindo das proximidades da pavorosa apresentação.

    E aí, cadê Do Céu?

    Tinha sumido!!!

    Rodamos por tudo quanto é canto e nada de Do Céu.

    Quase uma hora depois foi que vimos que ela tinha subido numa árvore da Praça e, deu trabalho para covencê-la a descer.

    No outro dia pediu para voltar para Florania e nunca mai voltou.

    Edgard.

  3. Sora Soralina disse:
    22 de janeiro de 2010 às 16:30

    “Dedada” no “monossílabo” é D+!!!

  4. Tião Maia disse:
    21 de janeiro de 2010 às 01:09

    Clotilde minha bichinha, olhe.
    Depois que eu li esse poster com a citação da tão famosa placa do Restaurante Maré Mansa, eu me agoniei. Me lembro demais dessa placa. Então, fui nas carreiras até a Maré Mansa ( o restaurante de Seu Sebastião, na beira do rio Açu-piranhas na maré de Macau, que tem um dos mais belos por-do-sol do planeta. Sebastião da Maré Mansa, meu xará, que inclusive, por muito tempo, meu apelido foi esse homônimo) e perguntei ao mesmo sobre a dita placa. Ele entrou em um quanto de despejo e me trouxe a belezura. Hoje, depois de ter ganhado o mundo pela internet, é uma raridade arqueológica. Pois foi. Vou voltar lá e fotografá-la, pois quem sabe a bicha suma de vez… E olhe aí, lá vai a confusão.
    abs

  5. Alex de Souza disse:
    20 de janeiro de 2010 às 21:23

    Vige, deve ser por isso que mãe não deixava a gente ver Monga no circo lá em Florânia.

  6. Edu Filgueira disse:
    20 de janeiro de 2010 às 21:02

    Não vou nem comentar sobre datas (até porque sou de 88) mas tenho algo a acrescentar… Na minha terra ninguem joga nada fora, agente “rebola no mato”, “avía” é verbo (“Avía menino!.. to aviando mãe!”) e ninguem se machuca, “faz um arte!”

  7. Luciana Håland disse:
    20 de janeiro de 2010 às 16:16

    Eu vi monga, mas na época ainda não conhecia sobre dedadas no monossílabo, ainda bem que não levei, na minha idade (naquela época) teria sido super traumático. Como sou do RN bem conheco essas expressöes que você mencionou no post, era bem assim na minha época.

    Beijo

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